Ministros não deixaram claro se a decisão se estende ao antigo Coaf; definição ficou para a próxima quarta-feira (4)
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (28), por oito votos a três, que a Receita Federal pode fornecer dados bancários e fiscais sigilosos para investigações Ministério Público em detalhes, sem autorização judicial prévia.
A princípio, a permissão também serve para a Unidade de Inteligência Financeira (UIF), o antigo Coaf, mas isso não ficou claro no julgamento, já que alguns ministros entendem que este ponto não faz parte do escopo do recurso extraordinário. A definição ficou para a próxima sessão, marcada para a próxima quarta-feira (4), quando o alcance da tese será discutido.
O entendimento vencedor, com seis votos favoráveis, foi de que a Receita pode compartilhar informações detalhadas sem restrições, incluindo extratos bancários e declarações de Imposto de Renda. Votaram assim os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O ministro relator, o presidente Dias Toffoli, foi voto vencido. Ele defendeu a legalidade do compartilhamento de informações sigilosas, mas com restrições, como a proibição da utilização dos dados como prova criminal isolada e a impossibilidade de relatórios feitos “por encomenda” contra quem não é investigado.
O ministro Gilmar Mendes adotou posição intermediária. Em seu voto, ele aceitou que apenas a Receita tenha permissão total para encaminhar dados sigilosos ao MP, mas acompanhou Toffoli no entendimento de que deve haver restrições ao antigo Coaf.
Os ministros Marco Aurélio Mello e Celso de Mello divergiram dos demais ministros e votaram por negar provimento total ao recurso. Ou seja, eles entendem que é preciso autorização judicial para o acesso aos dados, independentemente do órgão.
Flávio Bolsonaro
Caso a decisão abranja o antigo Coaf, a investigação que envolve o senador Flávio Bolsonaro (sem partido) e o ex-assessor dele Fabrício Queiroz deve ser retomada. Eles são acusados, a partir de dados fornecidos pelo Coaf, de desviar dinheiro da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O caso que envolve o filho do presidente foi suspenso em julho, depois que Dias Toffoli suspendeu todos os processos judiciais em que dados bancários tenham sido compartilhados por órgãos de controle durante investigações criminais sem autorização prévia.
Dias Toffoli
O relator admitiu a possibilidade de o antigo Coaf – atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF) – compartilhar informações sigilosas com Ministério Público e Polícia Federal, contanto que sejam obedecidas algumas condições.
Ele entende que os relatórios não podem ser utilizados como prova criminal e não podem ser fornecidos “por encomenda” contra quem não é investigado criminalmente. Outra obrigação, no entendimento do ministro, é que o repasse de dados deve ser feito exclusivamente por meio de sistemas eletrônicos de segurança, e nunca em e-mails ou outros meios não controlados.
Alexandre de Moraes
O ministro divergiu parcialmente do relator, ao votar pela constitucionalidade do compartilhamento integral de informações sem autorização judicial, tanto por parte da Receita quanto pelo antigo Coaf.
Para ele, embora a Constituição Federal assegure a inviolabilidade da privacidade dos indivíduos, os direitos fundamentais não podem servir de escudo para a atuação de organizações criminosas.
Edson Fachin
Fachin seguiu a divergência de Moraes e relembrou que o STF já reconheceu a validade constitucional de informações sobre movimentações financeiras obtidas pela Receita. Ele justificou que, como a licitude da obtenção de dados é reconhecida na esfera administrativa, deve ser também na penal.
Para Fachin, o antigo Coaf pode retratar uma transação suspeita para o convencimento do juiz, ainda que eventualmente sujeita a elementos de corroboração e desde que respeitado o devido processo legal. “A possibilidade de compartilhamento dessas informações é a razão de ser da UIF”, assinalou.
Luís Roberto Barroso
Barroso disse, também ao seguir o voto da divergência, que o compartilhamento não configura quebra de sigilo, embora envolva dados sigilosos. Para ele, a obrigação de preservar as informações também é transferida aos órgãos encarregados da investigação criminal.
Segundo o ministro, não é razoável que a Receita detecte um indício de crime e não envie dados completos que permitam ao Ministério Público ou a polícia investigarem.
Rosa Weber
A ministra afirmou que não vê inconstitucionalidade no compartilhamento direto de dados obtidos pela Receita Federal. Ele também votou com a divergência de Moraes. Segundo ela, não há razão para a imposição de restrição aos elementos de prova obtidos pelo Fisco, contanto que sejam respeitadas as garantias fundamentais do contribuinte.
Para Rosa, a remessa integral da prova que subsidia a ação fiscal milita a favor da ampla defesa e do contraditório do contribuinte, uma vez que uma eventual seleção do material enviado poderia comprometer a análise a ser feita pela autoridade responsável pela persecução penal.
Luiz Fux
Fux foi outro que deu provimento integral ao compartilhamento sem restrições. Segundo ele, as autoridades só conseguem detectar o crime de lavagem seguindo o caminho do dinheiro.
O ministro destacou que o compartilhamento de dados pela UIF apenas vai ocorrer em operações suspeitas. Fux ressaltou, ainda, que a Constituição Federal protege os sigilos bancário, fiscal e telefônico apenas com fundamento no direito à privacidade, relacionados à honra e imagem da pessoa.
Cármen Lúcia
Cármen Lúcia disse que é a comunicação ao MP de dados suspeitos não é só legítima, como é obrigação dos órgãos públicos. Ela seguiu a maioria dos ministros e votou a favor do compartilhamento integral de informações.
A ministra afirmou que não vê violação no acesso aos dados para evitar crimes, ou seja, para interesse público. Ela ressaltou que o sigilo se mantém caso as informações não sejam publicizadas.
Ricardo Lewandowski
De acordo com o ministro, o compartilhamento de dados “não é quebra de sigilo, mas transferência de sigilo”. Ele entende que, mesmo repassados ao Ministério Público, os dados ainda permanecem sigilosos.
Ao votar com a maioria, Lewandowski salientou que, embora seja a favor de cessão detalhada das informações, o repasse deve ser feito após devida instauração de processo administrativo.
Gilmar Mendes
O voto de Gilmar foi intermediário. Ele posicionou-se a favor do compartilhamento total de dados, envolvendo extratos bancários e declaração do IR, da Receita com o MP.
Em relação ao UIF, no entanto, ele seguiu Dias Toffoli e defendeu restrições. Para ele, neste caso, declarações de Imposto de Renda e extratos podem ser compartilhados sem o aval da Justiça somente se forem estritamente necessários para “compor indícios de materialidade nas infrações apuradas”.
Marco Aurélio Melo
Marco Aurélio divergiu dos demais e defendeu que o envio de dados deve ser permitido apenas com autorização judicial. Ele reforçou que é preciso combater a corrupção, mas sem ferir o direito individual.
Ele criticou que o processo tenha se tornado oportuno em razão do caso de Flávio Bolsonaro.
Celso de Mello
Assim como Marco Aurélio, o decano da Corte também entende que o compartilhamento de informações sigilosas deve depender do aval da Justiça.
Para ele, a própria Constituição determina que a administração tributária deve respeitar os direitos dos contribuintes, visto que não são absolutos os poderes dos agentes estatais. Celso pontuou ainda que a moderação judicial impede que direitos individuais sejam violados.
*Via Brasil de Fato*